Notas Musicais...

Ora vamos lá ver, gostava de fazer uma ou duas perguntas (às quais podem responder nos comentários para isto ser interactivo) e depois deixar uma ou duas considerações sobre contas...

Sabe quem me conhece que detesto algarismos, cálculos, operações numéricas e tudo o que lhes está ligado. Mas, e na vida há sempre um "mas", infelizmente e cada vez mais temos de fazer contas, olhar para os resultados e fazê-los esticar até ao fim do mês.

Vamos às perguntas:

1 - Quantas vezes já foram ao pão e trouxeram-no sem pagar?
2 - Quantos dias, nos vossos empregos, foram trabalhar sem receber o vencimento, subsídio de refeição, horas noturnas ou extraordinárias e todas as remunerações a que têm direito?

Vamos às considerações que, no fundo, são mais duas perguntas:

1 - Se pagamos (e muito bem) o pão que compramos para comer com a família no feriado, porque vamos ao concerto do Dia do Trabalhador sem pagar entrada?
2 - Se nos empregos se recebe (e bem) de acordo com o número de horas/dias trabalhados, porque é considerado normal que um artista participe num evento sem ser remunerado?

Quando convidam um artista para participar num evento, estão a organizar aquela que é, A causa mais nobre e mais importante para cada um e para as suas associações, terras, angariação de fundos, homenagens, tributos e tantas outras causas meritórias na grande maioria dos casos. E, por isso, esperam que o artista se sinta lisonjeado pelo convite. E, na maioria dos casos, sente.

Mas (e na vida há sempre um mas), quando a remuneração do artista depende do número de dias ocupados no calendário com concertos pagos, ou da quantidade de bilhetes vendidos para concertos feitos à bilheteira, e quando essa remuneração tem de pagar uma série de custos como outros artistas, deslocações, técnicos, dias e dias ocupados no calendário com ensaios, despesas de saúde (também as têm), com a família (também as têm), com a casa onde vivem (convém que as tenham) e, também com o pão que vão buscar ao feriado para comer com a família...

...Sair de casa para receber a honra de actuar num tributo, homenagem ou angariação de fundos, (muito meritórios, obviamente) sem receber o valor da farinha e da água, sem falar do seu próprio trabalho de amassar, levedar e cozer o pão, fica caro. Quando o número de dias ocupados com convites, dignos e nobres, são mais do que os ocupados com convites, dignos e nobres, pagos ou arriscando a aceitação do público, as contas ficam (no mínimo) desiquilibradas

1 - Se todos pagam (e muito bem) o pão que compramos, porque é tão difícil compreender que o padeiro, por muito que goste da música,, só pode fazer um número reduzido de pães grátis por ano para não entrar em bancarrota?...

Liliana


Impulse...

Quando vivemos e trabalhamos com um artista profissional, de nome conhecido e cara mais que reconhecida nas nossas ruas, naturalmente tudo se centra nele. Nem era de esperar outra coisa, quer dizer, quando somos nós próprios os responsáveis pela divulgação, agendamento e produção, o normal é pô-lo no foco principal das nossas actividades.

Mas, e em todas as histórias há um mas, quando nós mesmos somos (ou tentamos ser) parte infimamente pequena mas integrante desse grande alguidar onde se juntam todos os que estão criativamente ligados às artes, há um momento, por breve que seja, em que temos a pretensão de fazer acontecer alguma coisa com o que criamos.

Não é fácil, para mim pelo menos que não sou agente nem manager, conseguir gerir duas forças quase paralelas, que muito paralelamente precisam de tempo e cuidados para crescer e florescer. 

Então o que se faz? Vai-se tentando editar livros que, por muito acarinhados e até elogiados que sejam, não chegam a sair dos caixotes. 

E pronto! É mesmo assim. A vida dum escritor"ish" sem editora nem distribuidora resume-se a isso mesmo. Os ingleses usam a expressão proud edition para se referir às edições pagas pelo autor, que hoje por cá crescem como cogumelos. E, se calhar não estão longe da verdade. 

Enfim, toda esta realidade não está muito longe das vidas de tantos outros que, por um acaso dos astros, não vivem nem trabalham com um artista mais que conhecido como o Carlos. E por isso até aqui não trago grande novidade à conversa.

A questão é que, quando ouvimos a frase "E se um desconhecido te oferecer flores...", esperamos ouvir de imediato "Isso é... Impulse!". E quando não é... Bem, quando não é um desconhecido mas alguém que nos conhece e por quem temos uma enorme estima, e o "isso" não é Impulse, por muito savoir faire que tenhamos, mais tarde ou mais cedo vamos ter vontade de atirar o ramo pela janela e borrifar toda a casa (ao género de bênção) com o dito Impulse. Mas como sou alérgica à grande maioria dos perfumes, imagino que o referido não sai do padrão e o devaneio traduzir-se-ia num ataque de tosse que me arrastaria para a rua, a par das flores, até passar o cheiro... 

Por isso fiquemo-nos pelo balde de água fria (e estamos num Inverno rigoroso) de perceber que, quando se fala num Festival de Literatura, e é comigo que querem falar, na verdade não estão, nem nunca tal lhes passou pela ideia, a falar das minhas minúsculas quatro tentativas de edição, mas sim num concerto do Carlos. Eu explico a parte das "tentativas": no primeiro ano de Filosofia a minha Professora, uma jovem entusiasta e bem disposta, disse-me que, se ser Filósofo não obrigasse à prática regular do pensamento filosófico eu poderia ser chamada de Filósofa. No fundo uma forma bonita de dizer a uma aluna que não se está a dar mal na disciplina. Mas eu levei a sério e apliquei/aplico a todas as actividades ou profissões.

E pronto, orgulhos feridos à parte, arrumemos os perfumes que me fazem mal, ponhamos as flores numa jarra para não morrerem e não acordemos as expectativas para não ficar "à beira dum ataque de nervos". 

O meu objectivo profissional, afinal, é mesmo promover, agendar e produzir o Carlos Alberto Moniz, que não tem nada a ver com estes Impulses, ou falta deles. Estou, por isso, feliz com a possiblidade da marcação de um concerto num Festival de Literatura! Estou mesmo, sem ressentimentos. (Ok, talvez com uma ou outra desilusão, mas muito marginal.)

E o mundo compreendeu (ou não), e o dia há-de amanhecer em paz.  

Liliana Lima



Das Pessoas Fantásticas

Não é comum, para um mero mortal como eu, estar à conversa com aqueles que fazem parte da estrutura cultural que connosco cresceu e que, por isso mesmo, imaginámos e idealizámos como seres quase perfeitos, dignos de se sentarem à mesa do Olimpo (mas não à nossa, claro está). 

Quando estamos ao lado de alguém que faz, ele próprio, parte dessa panóplia de excelentíssimos representantes da nossa memória cultural, um dos primeiros impactos é mesmo esse espanto de, sem aviso prévio, nos encontrarmos sentados ao lado "daquele" cantor, poeta, músico, compositor, actor, mas também ministro ou ex-ministro e até mesmo, porque não,  Presidente da República.

Um dos primeiros encontros imediatos que me aconteceu foi com o Fanha, poeta que habita, desde sempre, os pilares da minha vontade de escrever e de dizer e de contar. 

Foi um encontro algo confuso. Fomos buscá-lo à Malveira e seguimos para Alcobaça onde tinham uma sessão juntos, ao ar livre (com chuva, ainda que miudinha), sem aparelhagem e com várias falhas de material esquecido no carro estacionado longíssimo da conhecida confeitaria. Houve, portanto alguns percalços e muitos improvisos. Mas houve, acima de tudo, carinho, muito, desde o primeiro olá até aos risos perante as correrias e tentativas de ligar os malditos adereços que, no final, acabam por não fazer falta nenhuma. Houve uma empatia imediata que ainda hoje alimenta uma ligação de aprendiz/mestre, que se veste de amizade e cuidado mútuo que tanto me alegra.

Outro dos momentos mágicos que me aconteceu foi durante as gravações de 'O Amor Virá Mais Tarde' quando me apercebi que "o" Rui Veloso iria gravar em duas cantigas com letra minha. Bom, fazer letras para um disco do Carlos Alberto Moniz já não é exatamente o dia-a-dia que algum dia (passo a redundância...) imaginei. Mas ver o Rui Veloso ali, mesmo ao meu lado, a conversar sobre hamónicas e guiatarras eléctricas para a música de duas letras que me atrevi a escrevinhar, fez nascer um dia claro na minha vida.

Claro está que, da mesma forma que algumas das auras destes seres que idealizamos são uma surpresa meiga e alegre, auras há que são apenas o espelho de pessoas (como eu, como nós) com as suas idiossincrasias mais ou menos cinzentas, com as suas fragilidades mais ou menos visíveis. Afinal os Deuses foram feitos à imagem dos homens... E eu, no que me diz respeito, escolho guardar apenas as pessoas fantásticas que irradiam boas energias.

Há umas semanas, num qualquer restaurante que não deixa lembranças boas ou más, trocando sms's com a minha mãe, ela responde-me "Estás sempre ao lado de gente fantástica!". E eu olhei em volta, da mesa, dos últimos dias e das últimas noites e (re)lembrei-me do privilegio que tenho por poder estar ao lado de pessoas que fazem parte da minha estrutura cultural e social e que, como todos, imaginei e idealizei sem nunca pensar que um dia me sentaria ao seu lado, na mesa (do Olimpo).  

Liliana Lima



No início era o verbo… (calcular)

Eu e o Carlos conhecemo-nos há 51 meses, estamos juntos há 45 e partilhamos cama e mesa há 39. Foi muito rápido? Sim, é verdade. Ainda não tivemos tempo para amadurecer a relação? Tivemos. Mais que tempo. (Nós e o mundo quase todo.) Estes cálculos representam pouco menos de 100% do tempo útil que passamos juntos. Afinal, COVID à parte, trabalhamos juntos, em casa a maioria das vezes e raramente estamos separados por mais de 12 horas. Não sou dada a matemática, mas decidi fazer a conta em horas, por pura curiosidade. Falo, então de (mais ou menos) 36 700 horas. Não é muito nem pouco, são nossas!

Posto este primeiro esclarecimento, os cálculos de que queria falar, têm a ver com outras contas.

No início, há 51 meses, quando conheci o Carlos (pessoalmente, porque conhecer toda a gente o conhece), foi como entrevistadora e a resposta à minha pergunta “Quantas Primaveras já viu?” foi algo surpreendente mas quase indiferente (já disse que não sou dada a números). Depois, com o avançar dos meses, o cálculo da diferença entre as Primaveras dele e as minhas foi-se tornando cada vez mais presente. Não em mim, não em nós, mas nos olhos que nos viam pela primeira vez juntos. Olhando para quem nos olhava, quase ouvia a mente de cada um a calcular a diferença entre idade aparente e idade diferente, para chegar ao número certo de 27, ou seja 324 meses (mais mês, menos mês) de diferença entre nós. Isso faz 18 meses de diferença entre mim e a Lúcia, quase 60 meses para a Sara (sem chegar à Inês e ao João, que estando um bocadinho mais longe, deixam de ter interesse aos cálculos curiosos).

Esta era a primeira forma de comunicação de cada pessoa ao conhecer-nos. As primeiras palavras, mesmo que abafadas. O primeiro julgamento, de quase todos. E a primeira sentença, quase sempre reflectida num esgar fugidio que acabava por denunciar a afirmação em surdina da condenação ou não da relação (que muitas vezes vinha mesmo em voz alta com o cálculo dos meses que nos eram reservados até ao espalhanço final).

Hoje, 39 meses de conversas de almofada depois, entre COVID, filhos e relações familiares, cantigas partilhadas e concertos criados em conjunto, os cálculos mais ou menos óbvios de quem nos conhece, já me são completamente indiferentes.

Ainda assim, achei importante começar por aqui, sem tabus. O vosso julgamento? A vossa sentença? Desculpar-me-ão, mas passam-me ao lado.

No início era o verbo, depois começou a história…


Liliana Lima


Notas Musicais...

Ora vamos lá ver, gostava de fazer uma ou duas perguntas (às quais podem responder nos comentários para isto ser interactivo) e depois deixa...